quinta-feira, 3 de abril de 2014

Deseducação

dias foi noticiado que, nos últimos cinco anos, registou-se em Portugal um decréscimo de 7000 alunos, com mais de 30 anos, inscritos nas licenciaturas. Segundo a notícia, este facto contraria a tendência internacional (que vê o número de alunos desta categoria etária aumentar), e a explicação encontrada assentaria em três causas: a crise, o aumento do horário de trabalho e a desvalorização social do ensino superior.
Sem dúvida que estas três causas são reais e juntas contribuíram para a queda do número de alunos adultos no ensino superior. Todavia, a explicação é insuficiente e está incompleta. 
Na verdade, existe pelo menos uma quarta causa que estranhamente não foi enunciada: a extinção do Ensino Recorrente e a sua substituição pelos cursos EFA, das Novas Oportunidades. Com a extinção do Ensino Recorrente — ensino especialmente vocacionado para dar aos alunos adultos os conhecimentos e as capacidades necessárias para concluírem o 12.º ano e para poderem candidatar-se ao ensino superior — os adultos deixaram de ter ao seu dispor a única via que os preparava para essa candidatura. Ficaram sem alternativa, porque nenhum curso EFA está vocacionado para essa função, não dando, por isso, preparação que vise essa finalidade. À saída de um curso EFA, das Novas Oportunidades, os alunos não estão capacitados para realizar nenhuma prova de acesso ao ensino superior. Na prática, isto significa que os alunos que desejavam realizar essa preparação ficaram reduzidos ao autodidactismo e à prova de acesso para maiores de 23 anos. Sem preparação adequada não há candidatos ao ingresso nas Universidades ou nos Institutos Politécnicos e sem candidatos dá-se obviamente o decréscimo da frequência de estudantes.
O nosso país tem vivido de governantes que se consideram luminárias, em particular no domínio da educação. Ao longo das últimas décadas, muitos destes governantes e daqueles que os circundam julgaram-se/julgam-se possuídos de uma clarividência exclusiva que os autoriza a desprezar e a destruir o que vem de trás e os autoriza a construir, normalmente de forma mal preparada, o que apostam ser o caminho único. Os cursos das Novas Oportunidades, para além da sua deficientíssima estruturação, em nenhuma circunstância poderiam ter surgido como cursos substitutos do Ensino Recorrente. Se, na altura, tivesse existido seriedade política, responsabilidade educativa e menos voluntarismo ideológico, os cursos das Novas Oportunidades teriam sido mais bem pensados e estruturados e teriam aparecido como uma via alternativa ao Ensino Recorrente e não como a via substituta do Ensino Recorrente. A coexistência das duas vias era uma necessidade educativa e social. 
Não foi isso que aconteceu. Diabolizou-se o Ensino Recorrente e transformou-se a iniciativa Novas Oportunidades num obsceno instrumento de aproveitamento e de oportunismo político. Sócrates e Rodrigues foram os responsáveis por esta situação. Milhares de alunos foram manipulados e milhões de portugueses foram enganados.
Curiosamente, quando tomou posse, Crato anunciou que ia investir fortemente na recuperação do Ensino Recorrente. Foi apenas mais uma mentira deste governo. Limitou-se a permitir, no ano passado, a abertura de algumas turmas do 10.º ano, em meia dúzia de escolas. Mas não preparou nem realizou qualquer campanha informativa e reabilitadora daquele ensino, em contraste com as persistentes campanhas de publicitação das Novas Oportunidades, realizadas pelos governos anteriores. Não só se demitiu desta divulgação como, no presente ano lectivo, decidiu recusar a abertura de turmas, ainda que possuíssem o número de alunos legalmente exigido.
Há, portanto, alunos que pretendem estudar, que pretendem valorizar-se e muitos que pretendem preparar-se para os exames de acesso ao ensino superior, e há um Ministério da Educação que os impossibilita desse direito que têm.
Para além da crise, do aumento do horário de trabalho e da desvalorização social do mais elevado nível de ensino, como causas explicativas do desaparecimento de alunos adultos das Universidades e Institutos Politécnicos, temos também, desgraçadamente, a política educativa como causa geradora de processos deseducativos.