quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Crato e Rodrigues - a condecoração que os uniu...

 Na semana passada, o (ainda) Presidente da República, condecorou 8 ex-ministros. Entre eles, estavam Lurdes Rodrigues e Nuno Crato, ex-ministros da Educação.
O acto de condecorar, independentemente do condecorador e dos condecorados, é, em si mesmo, discutível, mas, neste caso concreto, quando olhamos com atenção para quem condecora e para quem é condecorado o discutível torna-se incompreensível. Incompreensível em pelo menos dois sentidos.
Primeiro: é difícil compreender que alguém, mesmo aqueles que concordam com o exercício de condecorar, considere honroso ser condecorado por Cavaco Silva. Na verdade, Cavaco Silva foi dos políticos que mais negativamente marcou a história recente do nosso país — quer pelas muito evidentes limitações a nível da formação cultural (que fez dele um representante exótico do nosso país), quer pela muito evidente ausência de honestidade política e evidente presença de mesquinhez política, quer pelas evidentes opções desastrosas que tomou, enquanto governante (como ministro das Finanças e como primeiro-ministro) e enquanto Presidente. Considerar significativo e até honroso receber uma condecoração resultante de uma avaliação feita por Cavaco Silva é, pois, de difícil compreensão.
Segundo: é igualmente incompreensível que Rodrigues e Crato possam receber uma condecoração pela mesma razão, ou seja, pelo desempenho que tiveram como ministros da Educação. 
Crato, antes de ser ministro, criticou assídua e veementemente a política educativa de Rodrigues. Considerou-a um desastre. Quando ministro, afirmou múltiplas vezes que estava a realizar alterações profundas em todo o sistema (avaliação do desempenho dos docentes, alteração da estrutura curricular do ensino básico e secundário, alteração de programas, substituição de metas por objectivos, abandono dos cursos de educação e formação, introdução de cursos vocacionais, proliferação de provas de exame, etc.). Por sua vez, Rodrigues não se cansou de acusar Crato do mal que este estava a fazer aos alunos, à educação e ao futuro do país. Acusou-o de levar à prática orientações que desvalorizavam o ensino público, que contrariavam o objectivo de criação de uma escola inclusiva, que tomava decisões fundadas apenas em crenças ideológicas, etc. Classificou a sua política de desastre.
Daqui retira-se que Crato desfez o que Rodrigues fez e que Rodrigues nunca faria o que Crato fez.
Isto tem uma consequência: se se considerar que, em matéria educativa, Rodrigues prestou um bom serviço ao país, não se pode, ao mesmo tempo, considerar que Crato o tenha feito também. Se se considerar que, em matéria educativa, Crato prestou um bom serviço ao país, não se pode, ao mesmo tempo, considerar que Rodrigues o tenha feito também. Condecorar os dois é, pois, um acto contraditório. Um acto que se anula a si mesmo, porque uma condecoração anula a outra. 
Ou, então, na verdade, as condecorações nada significam, porque quem as dá não tem credibilidade nem critérios para o fazer e/ou porque quem as recebe não as merece receber e/ou porque, afinal, a condecoração é apenas um ritual de comprazimento, em que membros de um mesmo círculo se condecoram uns aos outros.